terça-feira, 1 de março de 2011

Intenções diferentes


Red Bull precisa seguir a opinião pública, enquanto para a Ferrari o que só importa é vencer

A temporada passada da Fórmula 1 foi memorável por diversas razões, inclusive por ter tido uma corrida final em que quatro pilotos tinham chances matemáticas de levantar a taça mais cobiçada. Mas quem ganhou mesmo, em diversos aspectos, foi a Red Bull. A equipe austríaca, na verdade, obteve três títulos, um deles simbólico: levou os troféus dos dois campeonatos da categoria e tornou-se a queridinha da opinião pública, como trabalha para ser.

Apesar da força da McLaren na primeira metade de 2010 e da evolução ferrarista na segunda metade, foi a Red Bull a equipe mais veloz, uma vez que possuía o melhor carro, com o qual pôde fazer 15 das 19 poles. Assim, já se podia prever que conquistaria o Mundial de Construtores, mas, a partir da aparente polarização da luta entre Mark Webber e Fernando Alonso, apostar no título de Sebastian Vettel, que cometeu alguns erros durante o ano e nunca havia liderado um campeonato, não era tão óbvio assim. Só que o alemão “acordou” no GP do Japão e tornou-se imbatível. Ele poderia ter vencido quatro corridas consecutivas, mas houve uma quebra de motor no GP da Coreia do Sul.

Enquanto tudo isso ocorria dentro das pistas, fora delas acontecia uma disputa de duas escolas diferentes de negócios e automobilismo. É sabido que a Ferrari, ao menos desde os tempos de Michael Schumacher, é fervorosa adepta do jogo de equipe, que consiste em concentrar esforços para um único piloto vencer a fim de que outro time não se aproveite de uma luta interna. Isso aconteceu novamente no GP da Alemanha, em que ficou claro que Alonso era realmente a bola da vez.

Mas não se sabia qual seria a política da Red Bull, já que ela nunca havia tido chances matemáticas até o fim de um campeonato. A equipe adotou o discurso da livre disputa entre Vettel e Webber, que foi levado às últimas consequências no acidente entre os dois no GP da Turquia. Surgiram, porém, boatos de que a intenção real do time era que Vettel vencesse em Istambul, o que ficou no campo da especulação.

O incidente mais questionável da Red Bull em 2010 foi a polêmica das asas no sábado da etapa britânica. Webber teve de ceder seu novo aerofólio dianteiro a Vettel, pois o do alemão havia sido danificado. O australiano, entretanto, saiu de Silverstone com a vitória e desabafou na famosa frase irônica sobre o fato de ter sido tratado como segundo piloto.

No entanto, o que aconteceu na prova seguinte, na Alemanha, com a Ferrari mostrou à Red Bull que, de acordo com o consenso geral, jogo de equipe não é bom e mancha o esporte. A partir daí, não houve mais polêmicas desse tipo com a equipe austríaca. Vettel curiosamente foi campeão justamente por isso, por não ter aberto passagem para Webber no Brasil.

Por trás de todo o discurso de livre competição da Red Bull está a questão da imagem pública. Como, no fim das contas, a real intenção da Red Bull como empresa é vender mais e mais bebidas energéticas e um estilo de vida jovem associado a isso, ela precisa seguir o que a maioria crê ser o bom, o legal, o mais justo. Talvez a companhia austríaca também entrasse nessa onda se a inversão de posições fosse majoritariamente aceita. Mas não é, e ela tira proveito disso por ser diferente. A Ferrari, por exemplo, tem a imagem de vencedora e faz de tudo para mantê-la. É assim que ela vende carros de rua, dando a entender que seus belos e caros automóveis são para pessoas tão bem-sucedidas quanto ela é nas pistas. É por isso que um jejum de títulos incomoda muito mais os executivos ferraristas que uma quebra de regra esportiva.

A Red Bull não foi tão boazinha durante o ano quanto pareceu ter sido, e a Ferrari não foi tão malvada assim. Cada uma delas está na Fórmula 1 por um motivo diferente, mas todas querem vencer, obviamente. Só que, para a Red Bull, uma derrota como a da Ferrari no ano passado não teria doído tanto — desde que a empresa fosse vista de maneira positiva pelos fãs da categoria.

A Ferrari, então, perdeu o que mais queria: o título. A Red Bull, em compensação, ganhou de uma vez só a opinião pública e duas taças de campeão.

Texto escrito em janeiro para revista online da GGOO.